Artigo Científico: Proteína-C Reativa e suas implicações na prática médica — Hospital Português da Bahia
30 de maio de 2004
Artigo Científico: Proteína-C Reativa e suas implicações na prática médica
30 May 2004
Nenhuma especialidade médica cresceu tanto recentemente quanto a cardiologia. Vários estudos abordando o diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares refletem-se numa maior popularização dos conceitos básicos de prevenção de fatores de risco coronariano (tais como fumo, sedentarismo, obesidade, etc..) e na introdução de meios diagnósticos mais simples e menos invasivos para estratificação destes riscos. É nesse contexto que se insere a Proteína-C Reativa, que comentaremos a seguir.
As coronariopatias continuam desafiando estudiosos em função de sua complexidade e relevância clínica, sem contar as repercussões de natureza social e previdenciária. Dados do Ministério da Saúde de 1998 informam que em torno de 27% das causas de morte entre a população foi de natureza cardiovascular, tendo o infarto do miocárdio, a forma de apresentação mais dramática da doença isquêmica do coração, papel relevante nestas taxas.
Hoje está bem estabelecido que o excesso dos níveis de colesterol no sangue é um fator de risco clássico para o desenvolvimento de coronariopatia. Está constatado, porém, que em torno de 50% dos casos de infarto agudo do miocárdio ocorre em indivíduos sem essa alteração. Dessa forma, o que deveria ser uma marca registrada daqueles que correm o risco de adoecer, passa a não ter importância tão fundamental quando analisada isoladamente. Assim como os outros fatores de risco conhecidos, os níveis de colesterol devem ser vistos em conjunto com os demais fatores, individualizando a abordagem.
Em função das várias formas de apresentação das doenças coronarianas, os exames necessários podem ser inconvenientes e ter custo/risco elevado. Têm se tentado mais recentemente desenvolver meios de abordar o paciente com suspeita de doença coronariana, e mesmo naqueles indivíduos sadios, que seja barata, de fácil execução, confiável quanto ao seu resultado e aplicável à população como um todo. Baseado nos atuais conhecimentos do mecanismo de instalação da doença coronariana, que responsabiliza o desenvolvimento das placas de ateroma não apenas pelo aumento dos níveis circulantes de colesterol, e sim como um fenômeno de natureza inflamatória que ocorre dentro das artérias, alguns estudiosos perceberam que algumas substâncias produzidas pelo organismo em resposta a um estado de inflamação também se encontravam elevadas nos pacientes com quadros de coronariopatia. Desde então tenta-se achar a substância que melhor reflita esse estado.
A Proteína-C Reativa (PCR) foi descoberta em 1930 e desde então vem sendo utilizada de forma rotineira na avaliação dos pacientes com desordens inflamatórias de qualquer natureza. Sintetizada pelas células do fígado em resposta à presença de substâncias geradas pelo processo inflamatório, as citocinas, a PCR eleva-se na medida em que o processo se torna mais intenso.
Tem se verificado que indivíduos com níveis de PCR elevada, desde que afastados outros fatores que contribuem para seu aumento (obesos, diabéticos complicados, grandes fumantes, pacientes oncológicos, inflamações agudas ou crônicas, entre outros), poderiam estar sob risco de desenvolver doenças coronarianas, o que de fato se confirmou com novos estudos. Sua relevância consolidou-se após ser incluído desde 2002 nas recomendações da Associação Americana de Cardiologia (AHA) como um item obrigatório na avaliação de risco coronariano.
A técnica utilizada para a dosagem da PCR pode variar, mas a maioria dos estudos que associam sua elevação com risco coronariano utilizam a técnica de imuno-nefelometria, ainda não disponível na maioria dos nossos laboratórios (em Salvador-BA, poucos laboratórios utilizam).
Mais recentemente alguns estudiosos relacionaram o aumento dos níveis de PCR com outro tipo de doença isquêmica: a do sistema nervoso central. Responsável pelo acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI) e o ataque isquêmico transitório (AIT), esse tipo de isquemia em nada difere da coronariana, ou seja, as lesões na circulação cerebral são também geradas através de processos inflamatórios, e como tal induzem o fígado a produzir PCR. Aqui, observa-se também sua relação positiva com o AVCI.
Apesar de não ser ainda tão bem estudada como no caso das doenças coronarianas, a ponto de ser incluída para avaliação rotineira dos pacientes com AVCI, a PCR é um item a mais a ser valorizado na abordagem destes pacientes, inclusive para selecionar aqueles que podem se beneficiar de medidas mais agressivas no tratamento dos fatores de risco e na diminuição de seu estado inflamatório. Nesse sentido, atualmente têm se destacado a importância das substâncias redutoras de colesterol, as “vastatinas”, cujas propriedades anti-inflamatórias fazem diminuir o risco em ambas as situações.
Espera-se que o futuro próximo venha a incluir em nosso meio a inclusão da PCR na avaliação rotineira destes pacientes. A boa estratificação pode reduzir custos de tratamento e ser aplicável para prevenção destas doenças na população em geral.
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