Esse cenário tende a gerar uma série de conflitos e mal entendidos entre equipe, paciente e família que merecem ser tratados para que não se transformem em obstáculos à melhora do paciente. A psicologia hospitalar aparece aí como uma especialidade que congrega os profissionais de saúde e os convoca a reflexão e produção de soluções para os conflitos destas relações. O paciente e a família são atendidos pela psicologia numa escuta atenta às suas necessidades psicológicas de forma que as questões de ordem emocional não sejam negligenciadas num contexto sempre muito atento à doença em detrimento do doente.
A UTI tem apresentado questões e dilemas éticos tendo em vista sua alta capacidade tecnológica e um saber ainda prematuro de como gerir esses recursos. Com isso, cada vez mais, o que vemos nessas unidades são pacientes com prognóstico muito reservado ou que evoluem para uma situação onde já não se tem nada a oferecer deixando-os reféns da tecnologia empregada. No convívio diário com famílias que tiveram seus entes queridos admitidos na UTI tem sido cada vez mais freqüente a angústia da família e o pedido ao médico que cesse toda dor e sofrimento que eles acreditam estar passando seus doentes. É comum a pergunta: Será que ele está vivo? Será que ele já morreu e vocês não sabem? Ele só vive porque está com as máquinas? Se desligar o aparelho ele morre? A morte aparece neste contexto como uma coisa manipulável. Alguns familiares chegam a pedir que não façam mais nada com o paciente, muitos chegam até a pedir que desliguem as “máquinas”. É como se desligando as máquinas estariam eles também desligados de seu sofrimento. Ligar ou não desligar os aparelhos, tem a ver com a impossibilidade humana de lidar com a morte. É um mecanismo de defesa erigido pela família para suportar o sofrimento. Enquanto se detêm neste discurso se distraem e adiam o enfrentamento da morte de um ser amado. O psicólogo trabalha no sentido de recolocar a questão para família de forma que a mesma possa ir elaborando o luto de seu paciente.
Sobre o trabalho na Hemodiálise devem ser salientadas as inúmeras perdas por quais passam esses pacientes desde que iniciam o tratamento e os efeitos psicológicos que elas podem provocar. Essas perdas vão muito além da perda de sua plena saúde física e inclui, em muitos casos, a perda do trabalho, a perda de um papel no contexto familiar, a perda de um lar (quando se vêem obrigados a saírem das cidades onde vivem para buscar fora um centro de hemodiálise), de suas rotinas (por conta do comprometimento de três turnos semanais com o tratamento), de sua liberdade por se verem impossibilitados de fazer passeios e viagens ou mesmo por se encontrarem cheio de restrições alimentares.
Tudo isso constitui-se em fatores limitantes das atividades diárias e sociais desses pacientes exigindo deles uma reformulação de toda sua vida cotidiana. O trabalho da psicologia nesse contexto visa justamente favorecer a construção pelo paciente de novas possibilidades de organização profissional, familiar e social onde possam ser incluídas as novas exigências impostas pelo tratamento.
A participação da psicologia no processo de tratamento da obesidade mórbida também tem se mostrado imprescindível e marcado a diferença em relação a outros serviços que não contam com este suporte.
Como se vê, a psicologia tem muito o que contribuir no âmbito hospitalar se temos em vista que o adoecimento comporta variáveis para além do “biológico” e que há muito o que se avançar em questões éticas que envolvem o cuidar. O Fórum, portanto, teve cumprida a sua proposta de levantar essas discussões e atualizarmos nossa prática em torno de temas como estes junto a diversos profissionais da área de saúde.
Sheyna Cruz Vasconcellos / Rafaella Cedro Stock
Serviço de Psicologia do Hospital Português