3 de dezembro de 2004
Artigo Científico: Detecção do Processo Inflamatório Agudo: Mucoproteína X Alfa-1-Glicoproteína Ácida
03 December 2004
Uma fração das glicoproteínas séricas rica em polissacarídeos ácidos foi designada por Winzler et al., no início dos anos 50, como “mucoproteína”, sendo uma das primeiras frações a ser isolada e relacionada como proteína de fase aguda. A denominação é derivada da característica viscosa ou “limosa” (mucóide, do grego myxa = viscoso) apresentada por esta proteína durante o seu processo de purificação que justifica também o nome “seromucóide” dado a esta fração. O próprio Winzler recomendou substituir a designação “mucoproteína sérica” por “seromucóide”. A elevada concentração de carboidratos com proporções marcantes de açúcares ácidos confere à fração mucoproteína uma resistência maior à desnaturação por ácidos, característica utilizada no processo de separação desta das demais proteínas do soro.
Winzler, na metade dos anos 50, desenvolveu um procedimento que se tornou amplamente utilizado para a quantificação da mucoproteína. Este método baseia-se na separação desta proteína por precipitação seletiva com ácido perclórico e posterior quantificação colorimétrica baseada no teor de tirosina presente na fração isolada. As fases deste procedimento analítico, na essência, idêntico ao realizado nos laboratórios clínicos atuais, estão sumarizadas na Figura 1. A compreensão deste princípio analítico é importante na avaliação da qualidade e da confiabilidade dos resultados obtidos com esta técnica.
A alfa-1-glicoproteína ácida (GPA) é constituída de 181 resíduos de aminoácidos e apresenta massa molecular de aproximadamente 42kDa. Cerca de 45% deste peso é devido a carboidratos, como a hexose, a hexosamina e o ácido siálico, presentes em iguais proporções. Esta proteína, também conhecida como “orosomucóide”, é o componente quantitativamente mais importante da fração mucoproteína presente no soro, sendo que a porção carboidrato da molécula está relacionada a processos de modulação do sistema imune. Os procedimentos analíticos mais utilizados para a quantificação da GPA são a turbidimetria e a nefelometria automatizadas, realizados na presença de anticorpos específicos. A excelente reprodutibilidade e confiabilidade destas metodologias as recomendam como substitutas na determinação da mucoproteína.
A quantificação da mucoproteína sérica pelo método de Winzler não é citada em publicações internacionais há mais de duas décadas, tendo sido substituída amplamente pela quantificação da alfa-1-glicoproteína ácida (GPA) em países de primeiro mundo.
O menor custo dos reagentes por teste na determinação da mucoproteína, em comparação àquele da dosagem da GPA, possivelmente contribuiu para a manutenção do teste original na rotina laboratorial. No entanto, a descontinuação dessa metodologia em nossa rotina urge em função das inúmeras fontes de variação analítica, relacionadas à determinação da mucoproteína pelo método de Winzler, as quais podem ser observadas nas diversas fases do procedimento metodológico. Na fase de separação, o processo é temperatura-dependente, sendo críticas a concentração do ácido perclórico e sua adição lenta e sob agitação à amostra de soro. Na fase de processamento, a qualidade do papel de filtro utilizado é determinante, bem como a concentração do ácido fosfotúngstico e a força de centrifugação empregadas na precipitação e sedimentação da mucoproteína. Na colorimetria, o cromógeno é dependente do pH alcalino do meio, e, por conseguinte, na remoção do ácido utilizado na fase anterior. As hidroxilas fenólicas dos resíduos de tirosina presentes no meio são responsáveis pela geração do produto colorido, sendo que, a própria tirosina é utilizada no sistema de calibração, por não existir um padrão de mucoproteína. Portanto, a metodologia descrita por Winzler, propicia a introdução de artefatos técnicos em todas as etapas analíticas.
A quantificação da GPA utilizando anticorpos específicos está disponível para uso nos laboratórios clínicos há cerca de três décadas, e vários serviços introduziram este ensaio em suas rotinas, em substituição à quantificação da mucoproteína. Podemos citar entre as vantagens que esta metodologia oferece, a sua especificidade, precisão e capacidade de automação do procedimento. Os reagentes atualmente comercializados, disponibilizam calibradores e controles específicos, possibilitando resultados confiáveis.
Em resumo, a variabilidade analítica elevada observada na quantificação da mucoproteína pelo método de Winzler recomenda que este ensaio seja substituído pela dosagem da alfa-1-glicoproteína ácida.
Autores: Corpo Técnico do Núcleo de Patologia Clínica (NPC)