15 de fevereiro de 2009
Síndrome das Pernas Inquietas: doença ou castigo?
15 February 2009
A Síndrome das Pernas Inquietas (SPI) representa um tormento crônico. Os portadores desta condição frequente (5% a 10% da população), e muito pouco diagnosticada, experimentam um repetido desconforto, descrito como uma sensação desagradável nas pernas, que leva a uma necessidade incontrolável de movimentálas, para aliviar este desconforto. Desde a sua descrição inicial, pelo médico sueco Karl-Axel Ekbom, em 1945, o termo “pernas inquietas” caracteriza a síndrome, também conhecida como Síndrome de Ekbom.
Entretanto, apenas na última década, a SPI teve a sua epidemiologia, manifestações clínicas, causas, impacto social e o tratamento definidos. Hoje sabemos ser esta patologia mais prevalente entre os
idosos (10% a 28% dos pacientes estão acima dos 65 anos de idade), e mais comum entre as mulheres (6,1% dos homens X 13,9% das mulheres). Existem quatro critérios essenciais para o diagnóstico da SPI:
1) Urgência de mover as pernas, acompanhada de sensações desagradáveis, conhecidas como parestesias (“queimação”, “arrepios”, “pernas rasgando, repuxando, formigando, inchando ou coçando”, “pernas nervosas”, “vermes se movendo nas pernas”, “choques”, etc);
2) A urgência de mover as pernas, causada por estas sensações, se inicia ou piora durante o descanso ou ao deitar para dormir;
3) Estas sensações desagradáveis são parcial ou totalmente abolidas por movimentos como andar ou alongar;
4) Os sintomas costumam se expressar apenas ao anoitecer ou durante a noite.
As repercussões mais óbvias da SPI são os distúrbios do sono, a fadiga e o cansaço crônicos, os transtornos de humor e desconforto físico ou até mesmo dor crônica. O alívio obtido com a movimentação das pernas costuma ser imediato e isto representa outra característica padrão de diagnóstico para a SPI. Forma-se um ciclo vicioso terrível – o paciente descansa, as manifestações de desconforto nas pernas se iniciam, o paciente volta a movimentar-se e obtém alívio, para logo em seguida tentar dormir de novo e ser forçado a interromper o processo de sono. Esta “tortura” com frequência se amplifica em situações de estresse, fadiga ou até mesmo por condições psiquiátricas associadas, comprometendo, sobremodo, a qualidade de vida das pessoas.
Nos pacientes jovens, a SPI costuma ser intermitente e pode desaparecer espontaneamente. Nos idosos, a doença se expressa em maior intensidade, até prejudicar o sono. A SPI pode ser primária
ou idiopática (sem causa aparente) ou secundária – manifestada na gravidez (até 19% das gestantes), causada por doença renal terminal (até 50% dos nefropatas), por radiculopatias ou associada ao
uso de drogas, como antidepressivos tricíclicos, antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina, Lítio, antagonistas da dopamina e cafeína. Em 25% a 50% dos pacientes com deficiência de ferro ocorrem sintomas da SPI, quando o metabolismo alterado do ferro e a disfunção dopaminérgica estão associados – consideradas as duas principais evidências na patogênese da SPI.
O diagnóstico da SPI compreende uma anamnese bem detalhada, exame físico e testes de laboratório com vistas à exclusão de situações como anemia, deficiência de ferro, diabetes mellitus, doenças da tireóide e insuficiência renal. O estudo do sono através da Polissonografia poderá, a critério clínico, documentar os eventos relacionados à movimentação anormal das pernas e fragmentação de sono.
O tratamento da SPI abrange desde as medidas gerais quanto o estilo de vida – caminhar, massagear as pernas, rotina de alongamentos, boa higiene do sono, abstinência de cafeína, álcool e nicotina,
até intervenções farmacológicas, como a suplementação de ferro e a utilização de agonistas da dopamina, destacando-se o pramipexol. Surge, enfim, uma luz no fim do túnel para os portadores
da SPI.
Autor: Dr. Francisco Hora Fontes, coordenador do Laboratório Sono do Hospital Português