Uma das doenças hereditárias mais comuns no Brasil, a anemia falciforme é resultado do rompimento prematuro de hemácias. As hemácias são células redondas repletas de um pigmento chamado hemoglobina, que dá a cor vermelha ao sangue. A hemoglobina e o ferro são responsáveis por levar o oxigênio do pulmão para todo o corpo, para que todos os órgãos funcionem bem. A anemia falciforme não é corrigida nem com alimentação nem com suplementação de ferro. Nas pessoas portadoras do problema, as hemácias, em vez de redondas, tomam a forma de meia lua ou foice, daí o nome “falciforme”. Os glóbulos vermelhos em forma de foice não circulam adequadamente, resultando em obstrução do fluxo sanguíneo e hemólise (rompimento).
A boa notícia é que a ciência avançou muito no conhecimento da doença e de seu tratamento adequado. A qualidade de vida das pessoas com a doença depende, principalmente, do diagnóstico feito pelo teste do pezinho, logo após o nascimento, que proporciona a detecção precoce de hemoglobinopatias, como a anemia falciforme; do início da atenção integral e do envolvimento da família com o conhecimento sobre a doença e a prática do tratamento proposto.
A anemia falciforme pode se manifestar de forma diferente em cada indivíduo. Uns têm apenas alguns sintomas leves, outros apresentam um ou mais sinais. Os sintomas geralmente aparecem na segunda metade do primeiro ano de vida da criança. Entre os principais estão as crises de dor (é o sintoma mais frequente da doença falciformecausado pela obstrução de pequenos vasos sanguíneos pelos glóbulos vermelhos em forma de foice. A dor é mais frequente nos ossos e nas articulações, mas podem atingir qualquer parte do corpo); Icterícia (se caracteriza pela cor amarela nos olhos e pele. Quando o glóbulo vermelho se rompe, aparece um pigmento amarelo no sangue que se chama bilirrubina, fazendo com que o branco dos olhos e a pele fiquem amarelos); Síndrome mão-pé (nas crianças pequenas, as crises de dor podem ocorrer nos pequenos vasos sanguíneos das mãos e dos pés, causando inchaço, dor e vermelhidão no local).
Na relação de sintomas estão também as infecções (as pessoas com doença falciforme têm maior propensão a infecções e principalmente as crianças podem ter mais pneumonias e meningites. Por isso, elas devem receber vacinas especiais para prevenir estas complicações. Ao primeiro sinal de febre, deve-se procurar o hospital onde é feito o acompanhamento da doença, o que certamente fará com que a infecção seja controlada com mais facilidade). “É de extrema importância a imunização para pneumococo, hemófilos influenzae e hepatite B”, salienta a hematologista Dra. Ana Carla Franco; Úlcera de perna (ocorre mais frequentemente próximo aos tornozelos, a partir da adolescência. As úlceras podem levar anos para a cicatrização completa, se não forem bem cuidadas no início do seu aparecimento. Para prevenir o aparecimento dessas feridas, os pacientes devem usar meias grossas e sapatos) e sequestro do sangue no baço (o baço é o órgão que filtra o sangue. Em crianças com anemia falciforme, o baço pode aumentar rapidamente por sequestrar todo o sangue e isso pode levar rapidamente à morte por falta de sangue para os outros órgãos, como o cérebro e o coração. É uma complicação da doença que envolve risco de vida e exige tratamento emergencial). Outros quadros descritos são Acidente Vascular Cerebral (AVC), Síndrome Torácica Aguda, insuficiência cardíaca e hipertensão pulmonar.
Quando descoberta a doença, o bebê deve ter acompanhamento médico adequado baseado num programa de atenção integral. Nesse programa, os pacientes devem ser acompanhados por toda a vida por uma equipe com vários profissionais treinados no tratamento da anemia falciforme para orientar a família e o doente a descobrir rapidamente os sinais de gravidade da doença, a tratar adequadamente as crises e a praticar medidas para sua prevenção. A equipe é formada por médicos, enfermeiras, assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, dentistas, etc. Além disso, as crianças devem ter seu crescimento e desenvolvimento acompanhados, como normalmente é feito com todas as outras crianças que não têm a doença.
Segundo Dra. Ana Carla Franco, o tratamento da anemia falciforme envolve transfusão, que deve ser cautelosa e em casos selecionados, em função dos riscos de acúmulo de ferro. Nesta situação, podem ser usado quelantes de ferro. “A hidroxiureia é uma medicação bastante utilizada em pacientes selecionados, com o intuito de aumentar a hemoglobina fetal e reduzir o número de neutrófilos e monócitos que estão envolvidos nas crises vaso-oclusivas. O transplante de medula óssea HLA idêntico é uma opção, mas sua utilização ainda é bastante restrita em nosso meio, em função dos riscos deste tipo de tratamento”, informa.