Diariamente o nosso cérebro recebe uma série de novas informações, nas conversas cotidianas, nos estudos, ao assistir TV, ler o jornal ou navegar na internet, ao aprender uma nova receita, etc. Todos esses estímulos são recebidos, mas apenas uma parte deles é armazenada pela memória. Você não lembra o que conversou ontem no almoço, mas recorda do perfume que usava quando criança? Essa “seleção” de conteúdo ocorre para que possamos manter espaço liberado para a retenção de novas informações. Contudo, quando o esquecimento se torna recorrente e passa a atrapalhar o desenvolvimento de atividades no dia-a-dia é preciso adotar estratégias que estimulem o bom funcionamento da atividade cerebral. A Imagem Real ouviu dois especialistas no assunto e revela os fatores que interferem na fixação de informações pelo cérebro e quais hábitos devem ser adotados ao longo da vida para potencializar a capacidade de memorização. Confira a seguir o que dizem Dr. Ailton Melo, médico neurologista que atende no Centro Médico do Hospital Português e professor de neurologia da Faculdade de Medicina da UFBA, e Dr. Francisco Hora, coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português, professor doutor da Faculdade de Medicina da UFBA e presidente da Associação Brasileira do Sono.
TIPOS DE MEMÓRIA
A memória corresponde à capacidade do cérebro de guardar e usar informações (sons, cheiros, cores, imagens, sabores, etc.) e pode ser classificada em três tipos: a) Memória de curtíssima duração – retém informações por segundos; b) Memória temporária – guarda as informações por um período limitado; c) Memória de longa duração – as informações podem ser lembradas por toda a vida, incluindo fatos novos do cotidiano e mesmo situações que reproduzimos de forma automática, como dirigir, andar de bicicleta, etc. “As informações obtidas há muito tempo são difíceis de serem perdidas, enquanto os dados mais recentes apresentam maior dificuldade de memorização, especialmente, à medida que a idade avança”, diz Dr. Ailton Melo, explicando que é no lobo temporal do cérebro, mais precisamente no hipocampo, que essas memórias se fundem, sendo que as informações são processadas em várias áreas cerebrais originando o raciocínio.
ESTIMULANDO AS LEMBRANÇAS NO DIA-A-DIA
Sim, a memória aumenta quando estimulada. Por isso, ao longo da vida alguns hábitos podem ser adotados para incitar a atividade cerebral: ler, estudar, dormir bem, se exercitar, praticar jogos de raciocínio lógico como xadrez, ter uma boa alimentação, etc. Dr. Ailton Melo lembra que, como todo órgão, o sistema nervoso necessita de exercício e deve ser incentivado por atividades intelectuais e esportivas e pela convivência social em família ou com amigos, que favorecem o bom funcionamento do cérebro e a diminuição do risco de desenvolver a doença de Alzheimer. “Estimulamos o sistema nervoso fazendo-o trabalhar, principalmente, quando temos desafios a vencer, como nos jogos de disputa como dominó, dama, futebol, corridas etc.”. O neurologista também aconselha cuidar do organismo como um todo para manter a memória em pleno funcionamento, visto que o sistema nervoso está integrado ao corpo humano e compartilha as agressões – sedentarismo, obesidade, estresse, descontrole da pressão arterial, glicêmico, etc. – e os cuidados recebidos ao longo da vida.
BOM SONO: ALIADO DAS RECORDAÇÕES
Uma noite mal dormida pode se desdobrar em um dia improdutivo, marcado por fadiga e baixa concentração. Logo, a qualidade do repouso é fundamental para a memorização. Dr. Francisco Hora é taxativo ao afirmar que “o sono é essencial à vida” e explica que “o cérebro humano, em determinadas fases do sono, chega a ter a temperatura basal aumentada, refletindo toda a complexidade de eventos que são indispensáveis ao perfeito funcionamento dos neurônios. Tarefas cognitivas mais banais, como uma simples conta de somar dependem da boa integridade neuronal e de todas as suas conexões, que são ‘recarregadas’ e ‘reorganizadas’, sobretudo, em sono profundo”. É por isso que as pessoas que sofrem de insônia podem ter a capacidade de memorização comprometida. A irritabilidade responsável pelo conhecido “pavio curto” e as falhas da memória recente, que caracterizam o esquecimento, são os sintomas mais frequentes entre os insones crônicos, de acordo com o médico. É, prioritariamente, na fase REM do sono (quando sonhamos) que a memória se consolida, mas para isso é preciso que o repouso transcorra de forma normal. Do contrário, o déficit de sono ocasiona a queixa mais comum entre os insones: o esquecimento.
Para quem sofre com “brancos” devido à noites em claro, alguns recursos podem auxiliar no tratamento dos distúrbios do sono melhorando a memória. A polissonografia é um exemplo. O exame é realizado no Laboratório do Sono e proporciona um estudo completo do adormecimento, em noite inteira, estabelecendo o diagnóstico diferencial dos distúrbios do sono e as opções terapêuticas mais adequadas.
ALIMENTOS QUE POTENCIALIZAM A ATIVIDADE DO CÉREBRO
O equilíbrio na alimentação ajuda a melhorar o desempenho do sistema nervoso favorecendo a memória. Dr. Ailton Melo lembra que a deficiência de substancias antioxidantes como Ômega 3 e Vitamina B12 pode acelerar o envelhecimento do sistema nervoso. “Sabe-se que o uso de substâncias flavonoides contidas em frutas como blueberry (mirtilo), maçã, uva e cacau, além de bebidas como vinho tinto e chás, protegem o cérebro das neurotoxinas impedindo o processo inflamatório e a ação de substâncias excitatórias que levam à neurodegeneração”, destaca o médico, informando que ao contrário do que prega a máxima popular queijos e derivados não prejudicam a memória.
FATORES QUE INTERFEREM NA MEMORIZAÇÃO
“Só não esquece a cabeça porque está grudada no pescoço”. Se você escuta essa expressão popular é sinal de que a sua memória tem falhado. Esse lapso na retenção de informações, responsável pelo chamado “branco”, pode acontecer por vários motivos: desatenção, estresse, emoções como ansiedade ou medo, poucas horas de sono, além do consumo de álcool e outras drogas. Doenças degenerativas do sistema nervoso como Alzheimer e Parkinson também afetam o desempenho intelectual devido a alterações ou morte dos neurônios. “Existem vários fatores de risco para o baixo desempenho da memorização. Os principais são obesidade, diabetes mellitus, hipertensão, sedentarismo, baixo nível educacional e dieta rica em açucares, gorduras saturadas e pobres em frutas, verduras, vitaminas e substâncias anti-oxidantes”, adverte o neurologista.
MEMÓRIA X ENVELHECIMENTO
As regiões cerebrais relacionadas com o processo de aquisição de informações e resolução de problemas muitas vezes são afetadas com o envelhecimento. A degeneração atinge áreas cerebrais como os lobos temporais (onde fica o hipocampo) e o lobo frontal, acarretando déficit de memória e incapacidade para executar tarefas. “Durante o envelhecimento vamos perdendo a capacidade de produzir novas sinapses e como consequência ocorre diminuição do aprendizado e atrofia cerebral. Este processo é progressivo e depende de características genéticas, comportamentais e ambientais”, observa Dr. Ailton Melo, ressaltando a importância de prevenir o envelhecimento neurológico.
SINAIS DE ALERTA
Alguns indícios podem evidenciar que a memória não está bem. Quando o esquecimento começa a atrapalhar as atividades profissionais, as relações familiares ou sociais é sinal de Déficit Cognitivo Leve (DCL). Neste momento deve-se procurar um neurologista. No caso de pessoas acima de 60 anos ou que têm familiares com demência, a avaliação cardiovascular, metabólica e do sistema nervoso é obrigatória.
TRATAMENTOS
Diversos tratamentos neurológicos podem ajudar na recuperação ou melhoria da capacidade de memorização. No Hospital Português profissionais qualificados e equipamentos modernos oferecem os recursos necessários para a avaliação do paciente com déficit de memória. O primeiro passo é a avaliação clínica e aplicação de testes neuropsicológicos, que verificam vários domínios relacionados ao aprendizado, memória, capacidade de execução de tarefas e percepção espacial. Posteriormente, são necessários exames como tomografia ou ressonância magnética de crânio e procedimentos laboratoriais gerais para a verificação de problemas infecciosos, metabólicos ou vasculares que possam favorecer o surgimento do quadro de demência. “Não se esqueça, o caminho para ter uma boa memória é a prevenção, mas isso só é possível com hábitos de vida saudáveis”, avisa Dr. Ailton Melo.