Trinta minutos que transformam vidas
03 November 2015
Era primavera de 2014 e o flautista José Roberto (nome fictício para preservar a identidade do paciente) seguia a vida normal de um jovem de 23 anos; até o dia em que uma dor de cabeça afetaria os seus planos. O desconforto o fez buscar por atendimento de emergência. A suspeita inicial de dengue hemorrágica, afastada com a realização de exames complementares, deu lugar ao diagnóstico de púrpura trombocitopenia trombótica – doença hematológica caracterizada por distúrbio na coagulação do sangue, que mudaria o curso da sua vida a partir de então. Internado no Hospital Português, sob os cuidados de uma equipe assistencial multidisciplinar e dos hemorapêutas do Banco de Sangue do Hospital Português/Hemocentro São Lucas, José Roberto passou a entender pouco a pouco sobre a sua condição.
Ciente de que para melhorar precisaria de uma série de transfusões sanguíneas, ele confiou na ajuda de doadores voluntários desconhecidos e altruístas. Ao todo, fez 17 sessões de transfusão durante a hospitalização; cada uma delas com uso médio de 20 bolsas de sangue. Quantidade equivalente ao estoque sanguíneo doado por 340 voluntários. “Muitas pessoas ajudaram a salvar a minha vida. Permitir ser ajudado é essencial para perseverar. Quando se entende o que está acontecendo, a resposta é melhor. Os profissionais da assistência me explicavam cada procedimento. Essa transparência e acolhimento me deram a segurança necessária para seguir adiante e acreditar na perspectiva de melhora”.
Dr. Fernando Araújo, médico hematologista e um dos responsáveis pelo acompanhamento de José Roberto durante a sua internação, explica que a púrpura trombocitopenia trombótica é uma doença grave, caracterizada por uma anemia hemolítica com queda de plaquetas e risco de morte. O tratamento é realizado por meio de um equipamento de última geração, que permite a troca de volemia do sangue circulante no corpo do paciente pelo sangue de doadores saudáveis. “Esse procedimento chama-se plasmaférese terapêutica e, no caso do José Roberto, substituiu o seu plasma sanguíneo pelo de doadores voluntários”.
Segundo o especialista, o procedimento foi possível porque esse componente sanguíneo pode ser estocado por 1 ano, no mínimo, e na época havia estoque suficiente na Instituição. “Novas doações de sangue devem acontecer diariamente nos hospitais, porque não há como prever a demanda de uso de bolsas por paciente”, observa. Dados da Organização Mundial de saúde, divulgados recentemente pela agência BBC, apontam que no Brasil, seis entre dez doadores (59,52%) são voluntários frequentes e desconhecem quem vai receber o sangue. Os outros 40,48% são doadores de reposição, que doam motivados por razões pessoais (amigos, familiares ou conhecidos que precisam de sangue). Esses índices são menores que os de países como Cuba (100% são voluntários), Nicarágua (100%), Colômbia (84,38%) e Costa Rica (65,74%).
“Nunca imaginei precisar de uma doação de sangue, mas acabei precisando. A gente dá valor nessa hora, porém deveríamos ser voluntários sempre. Podemos precisar do estoque de sangue de um hospital a qualquer momento e vamos desejar ser atendidos. Essa reflexão é importante para que mais pessoas se tornem voluntárias”, pondera o jovem, cujo impacto de ter o ritmo de vida suspenso por um longo período de internação hospitalar foi suplantado pelo gesto solidário que permitiu a retomada dos seus projetos. Hoje, ele mantém ânimo renovado em sua rotina de atividades – trabalho, musculação, caminhadas na orla, passeios de skate – e diz enxergar cada novo dia como uma segunda chance. “Quem aguarda por uma doação de sangue precisa manter o pensamento positivo e acreditar na solidariedade”.