Ao longo da história da humanidade a prática do jejum tem sido associada ao exercício religioso, político ou medicinal. Hoje, os adeptos desse costume milenar encontram motivação em anseios comuns à sociedade moderna, como conquistar boa forma física, longevidade e melhor qualidade de vida. Nem mesmo a ausência de embasamento científico sobre vantagens (como perda de peso, ganhos cardiometabólicos, melhora da capacidade cerebral e prevenção de doenças), possivelmente, geradas pela submissão do corpo humano à restrição nutricional, inibe a popularização do chamado jejum intermitente. Estudos incipientes sobre as respostas orgânicas, decorrentes deste ato, utilizam ratos de laboratório como cobaias. Tais avaliações não atestam, ainda, a segurança e eficácia destes efeitos, em longo prazo, na população, nem os riscos envolvidos no seguimento indiscriminado de um padrão alimentar restritivo. Para a chefe de Nutrição do Hospital Português, Gildete Fernandes, o assunto exige cautela. “O problema está na privação prolongada de nutrientes essenciais ao metabolismo celular que, inclusive, funciona de modo particularizado em cada pessoa”, observa.
Neste tipo de dieta, a proposta é a restrição calórica prolongada, intercalando períodos de jejum e nutrição. A fase sem comida (porém, com consumo de líquidos específicos) pode durar 12, 16, 24 ou até 36 horas (incluindo o sono), intercaladas com janelas de nutrição (intervalos em que a alimentação é permitida). Há também o estilo 5:2, em que é possível manter refeições diárias, porém, definindo dois dias da semana para a ingestão máxima de 600 calorias. A nutricionista explica que jejuar, por até 16 horas, não traz grande impacto ao organismo, se esta prática for esporádica. Porém, após certo tempo sem nutrientes, as células tendem a absorver mais rapidamente as fontes de energia para armazenamento. “Tudo o que comemos é para fornecer energia às nossas células. Essa energia é necessária à respiração, às atividades cognitivas, ao trabalho mecânico e muscular, raciocínio pleno e desempenho das funções vitais. É essa energia que também permite a formação de células do sistema imunológico para a defesa do organismo de doenças. Entretanto, tudo isso só é possível com uma alimentação equilibrada”, enfatiza.
Gildete explica que a ingestão adequada e balanceada de alimentos produz diversas enzimas e hormônios, que permitem transformar os açúcares em glicose (nutriente essencial à produção de energia necessária ao funcionamento das células). O jejum reduz a produção de insulina, mas eleva os níveis de outro hormônio, originado no pâncreas, o glucagon, necessário ao processo de transformação de outras reservas de energia corpórea (gorduras e proteínas musculares) em glicose. No jejum prolongado (acima de 16 horas) há um consumo dessas reservas de energia do organismo. Inicialmente, ocorre a perda de gorduras; depois, com a continuidade, há diminuição da massa muscular, condição considerada patológica. A partir daí, o jejum pode levar ao adoecimento e alterações na produção hormonal. “O que vemos é a interferência na fisiologia da produção hormonal e metabólica, sinalizando um quadro evolutivo para a desnutrição. De que adianta retirar as refeições da rotina e precisar ingerir suplementos vitamínicos ou medicamentosos?”, pondera.
Enquanto a restrição nutricional, em pessoas enfermas, pode agravar patologias pré-existentes, em pessoas saudáveis, estudos mostram que o estado prolongado de jejum provoca reações adversas: desde letargia, irritabilidade e tontura até as já citadas reduções de gordura corporal e massa muscular. A alternância do jejum prolongado, com refeições excessivas, também está associada à piora da atividade celular, maior liberação de toxinas no organismo e ao consequente aumento da produção de radicais livres no corpo. Além disso, a elevação dos níveis de gordura e glicose no sangue potencializa o surgimento de vários problemas de saúde, como sobrepeso e diabetes. Logo, o alerta dado por especialistas é: quem segue o jejum intermitente, ou pretende aderir a esse estilo de alimentação, precisa de acompanhamento especializado, sobretudo, quando há associação com treinos físicos. Escolher os alimentos certos no pós-jejum é igualmente importante para evitar picos calóricos ou glicêmicos no organismo, e assegurar uma nutrição adequada.
“Com orientação especializada é possível evitar radicalismos, compatibilizar a nutrição diária e os objetivos físicos”, diz Gildete, que defende uma mudança progressiva nos hábitos alimentares, como parte de um estilo de vida saudável, que beneficia corpo e mente. A recomendação da nutricionista é estabelecer refeições adequadas às necessidades individuais, desenvolver um novo olhar para a comida, aprender a reconhecer o momento da saciedade e fazer disso um estilo de vida. “O que percebemos, ao analisar pessoas saudáveis, é uma relação entre comer menores quantidades de alimentos naturais no dia a dia, melhor qualidade de vida e longevidade. Isto é o que temos de cientificamente comprovado”, lembra.
Investigando o segredo de uma vida longa entre populações com as maiores expectativas de vida do mundo, pesquisadores constataram que o fator preponderante para esse desempenho, de fato, é a alimentação. Nas regiões da Sardenha, na Itália; Ilhas de Okinawa, no Japão; Loma Linda, na Califórnia, Estados Unidos; península de Nicoya, na Costa Rica; e ilhas Ikaria, na Grécia, observou-se aspectos comuns a essas populações: idade média superior a cem anos, envelhecimento melhor e uma rotina de refeições à base de vegetais, oleaginosas, grãos e carboidratos não processados, como trigo ou batatas. O estudo foi registrado no livro “As zonas azuis”, do escritor norte-americano Dan Buettner, reforçando a tese de que equilíbrio é o segredo para o bem-estar. “Comer é um dos grandes prazeres da vida. Encontrar o equilíbrio à mesa, sem radicalismos ou privações, evita prejuízos à saúde em longo prazo. A alimentação pode ser uma grande aliada. Só depende de nós”, finaliza.
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